O maior medo de minha infância era o escuro. Perdi a conta de quantas noites importunei meus pais, indo dormir em sua cama, aterrorizado pelo horror que o escuro, pensava eu, me reservava. Em geral, costumamos pensar que superamos todos os temores da meninice, mas a coisa não é bem assim.
O livro de Sofonias revela que “o Dia do SENHOR será amargo; até os guerreiros gritarão. Aquele dia será um dia de ira, dia de aflição e angústia, dia de sofrimento e ruína, dia de trevas e escuridão, dia de nuvens e negridão” (Sf 1.14-15). Se isso não soa como terrível aos seus ouvidos, das duas, ao menos uma: ou você pensa ser tudo hiperbólico no Antigo Testamento, ou crê, de fato, que o assunto não é com você. De qualquer forma, ambas as opções surfam na onda do pensamento pós-moderno que relativiza todo e qualquer discurso. “A narrativa construída por Sofonias”, diria o homem pós-moderno, “deve ser entendida na pluralidade de narrativas construídas em seu tempo. Por certo, seu público original o entendeu bem. Nós, entretanto, não somos seu público, apenas apreciadores e críticos de sua literatura”.
Ah, como seria confortante para Adão poder pensar assim! No entanto, ao mínimo som do SENHOR que andava pela viração do terrível dia (Gn 3.8), o pobre homem não teve tempo para considerar outras possíveis narrativas quando, tomado de pavor, se escondera como pôde. Assim também os contemporâneos de Noé, quando o SENHOR fechou a porta da arca e exterminou todo ser vivente sobre a face da Terra (Gn 6.16,21-23), não tiveram tempo de fazer sua crítica literária sobre a narrativa do dilúvio.
Nessa esteira, poderíamos mencionar ainda os moradores de Sodoma e Gomorra, os quais pereceram como que numa fornalha (Gn 19.24-29); os egípcios, que padeceram sob a ira dAquele que derramou suas dez pragas (Ex 7-12); os moradores de Canaã que foram extirpados por Deus e seu servo Josué (Js 6-12); o Reino do Norte, o qual “se vendeu para fazer o que é mau perante o SENHOR”, e foi “afastado da sua presença” (2 Rs 17.17-18); e os incrédulos do Reino do Sul que pereceram no levante babilônico (2 Rs 24.20), conforme a “palavra do SENHOR que veio a Sofonias” (Sf 1.1). De fato, essa palavra ainda espera por seu cumprimento consumado (Ap 6.15-17, cf. Sf 1.14-18).
Quando, porém, o regenerado lê Sofonias e o restante das Escrituras, ele não faz críticas. Antes, é criticado e escrutinado por elas. Quando se depara com a ira implacável do terrível Dia, o verdadeiro crente se aterroriza, sim, porque sabe que o tal virá sem demora. Entretanto, assim como eu, nas noites escuras, tinha um refúgio para o qual rumar, assim também o cristão.
O Rei de Israel, que enfrentou sozinho o horrendo Dia, no Gólgota, não deixando derramar uma sequer gota do cálice da ira do SENHOR, diz: “Não temas, não se afrouxem os teus braços. O SENHOR, teu Deus, está no meio de ti, poderoso para salvar-te; Ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar -se-á em ti com júbilo.” (Sf 3.16-17). Ele é a nossa paz.
Presb. Daniel Gomes